domingo, 1 de julho de 2007



Já não se encantarão os meus olhos nos teus olhos,
já não se adoçará junto a ti a minha dor.
Mas para onde vá levarei o teu olhar
e para onde caminhes levarás a minha dor.


Fui teu, foste minha. O que mais? Juntos fizemos
uma curva na rota por onde o amor passou.
Fui teu, foste minha. Tu serás daquele que te ame,
daquele que corte na tua chácara o que semeei eu.


Vou-me embora. Estou triste: mas sempre estou triste.
Venho dos teus braços. Não sei para onde vou.


...Do teu coração me diz adeus uma criança.
E eu lhe digo adeus.

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.

A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
Ausência (C. Drummond de Andrade)

(Foto tirada em Brasília, numa noite fria de morrer)

Soneto Frio
E quando na linha do tempo desvaneço
Já não sei mais em qual desbotado livro te deixei
Cego, em qual sentimento menor mascarei
O querer ausentemente consentido de que padeço

Teu nu no rio, pois todos os meses eram janeiro, ferida aberta
de areia e mar, delírio de poesia que não refletia o bem-estar
Antes o inferno-amor que nos insistia rodear
Marginal, do qual era refém o meu sossego

E que já me firo se miro no hiato
Qual sentinela, abdico em ato calado
Da tua carne em revolta tempestade

Ah! Então vislumbro na vida tanta arte
Numa trova certeira e avessa ao nome saudade
Que já não me cabe a tal da realidade.