domingo, 12 de agosto de 2007

Haikai
Contemplar o céu é descobrir um retrato antigo
De nebulosas e supernovas saudades:
Te levando para você
Me trazendo para mim.

domingo, 1 de julho de 2007



Já não se encantarão os meus olhos nos teus olhos,
já não se adoçará junto a ti a minha dor.
Mas para onde vá levarei o teu olhar
e para onde caminhes levarás a minha dor.


Fui teu, foste minha. O que mais? Juntos fizemos
uma curva na rota por onde o amor passou.
Fui teu, foste minha. Tu serás daquele que te ame,
daquele que corte na tua chácara o que semeei eu.


Vou-me embora. Estou triste: mas sempre estou triste.
Venho dos teus braços. Não sei para onde vou.


...Do teu coração me diz adeus uma criança.
E eu lhe digo adeus.

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.

A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
Ausência (C. Drummond de Andrade)

(Foto tirada em Brasília, numa noite fria de morrer)

Soneto Frio
E quando na linha do tempo desvaneço
Já não sei mais em qual desbotado livro te deixei
Cego, em qual sentimento menor mascarei
O querer ausentemente consentido de que padeço

Teu nu no rio, pois todos os meses eram janeiro, ferida aberta
de areia e mar, delírio de poesia que não refletia o bem-estar
Antes o inferno-amor que nos insistia rodear
Marginal, do qual era refém o meu sossego

E que já me firo se miro no hiato
Qual sentinela, abdico em ato calado
Da tua carne em revolta tempestade

Ah! Então vislumbro na vida tanta arte
Numa trova certeira e avessa ao nome saudade
Que já não me cabe a tal da realidade.

sexta-feira, 25 de maio de 2007


Kuaráendarkness

Hoje eu vi um mundo

E a vida era medida em anseios.



Et Cetera


Esse poema é um espelho
Velho signo da alma desgarrada
Brotado ao limiar da vista
Tragado da vastidão vazia

Esse poema é um espelho
Do sêmen à servidão
Vícios táteis, luz de Mirra
Rios turvos brutos feitos

Esse poema é um espelho
Do barro ensangüentado desfeito
Espremido à força bruta!
Composto de vomitadas letras

Esse poema é um espelho
Que a nada reflete
Salvo o nada nosso
Exc(r)eto o tudo deles

Esse poema é um espelho
Que não raro chora a alma procurada
Perdida nos ermos aflita
Em busca do eterno tempo perdido

Esse poema é um espelho
Que só reflete o que você, leitor, já viveu
É a imagem desbotada, da memória fragmentada
Que implora para ser lembrada!

Esse poema é um espelho
Das ruas que cruzam as nossas vidas
Das desvairadas chuvas que maculam a nossa certeza
Mas que confortam nossa esperança infantil

Esse poema é um espelho
De tudo que foi reprimido
De tudo que foi esquecido
De tudo o mais suprimido

Esse poema é um espelho
Dos vultos paralisados
Atravancados no cais noturno
Das vontades marginais

Esse poema é um espelho
Congelado neste instante
Pelo colo frio da saudade
Que jaz no nunca mais

É... Esse poema é um espelho
Que varou-me os olhos ao lê-lo
Descoberto fogo-fátuo de nossas vidas
Na mais inóspita e amarga sensação

Esse poema é um espelho
É a mangueira, é a pitangueira
É a cor viva, nua, suada
É a voz tua, o riso teu!

Esse poema é um espelho
Do nosso cansaço e desolação
Dos sonhos desertados, do horizonte infinito...
Onde está você?

Esse poema certamente é um espelho
Da nossa vontade de viver um pouco mais
De velar por nossa memória conjunta
De velar por nossa fatigada esperança de união

Esse poema é o espelho
Fragmentado em mil pedaços
Que procura pela labirintada luz irmã
Para ver a si mesmo, gêmeo trevas

Esse poema é um espelho
Sim, é sim, é são, é só
É oi! é xau! É vó!
É apenas um espelho...
Tão somente um espelho...

Um espelho...

quinta-feira, 17 de maio de 2007



Enfance


A folha é leve
E a pressa cai
O rio é sulco,
Rabiola descai

Pião é giro
Enquanto já
Chorar é sinto
D´um muito seco mar

Dragão de ouro
Ou passo para trás:
Veloz badoque solto
Num avesso de cais

Olhos alçados

O sol se está fazendo negro
E o vento basta.

sábado, 28 de abril de 2007

Auto-retrato


Eu sou somente uma coisa só, querendo dizer só várias outras coisas só.

A multiplicidade da pluralidade da singularidade.


quinta-feira, 26 de abril de 2007


Olincéia Desvairada

Eu começo a entender o sentido de minha busca. O objeto me aparece de forma enevoada durante uma madrugada, quase dormindo ou quase acordado. Como que me convidando à adentrar aquele pântano denso com o qual eu já havia sonhado tantos anos atrás, me decidi por penetrá-lo como uma foice fria, cortando a quietude e virgindade daquele terreno de intenções movediças.

Ocorreu-me que cada um de nós está diariamente empreendendo uma busca, solitária e silenciosa, por muitas vezes inconsciente. E isso não veio à mente depois de ler um livro qualquer de Paulo Coelho, confie em mim.

Às vezes eu surto e me decido por escrever qualquer coisa. De forma similar, às vezes eu escrevo para me decidir surtar igualmente por outra coisa qualquer. Então cheguei à um ponto capital em mim: qual é minha razão, meu mote, para adotar as palavras - sim agora chegamos ao ponto – e por meio delas traduzir uma visão de mundo, tentar comunicar alguma idéia, alguma beleza particular ou simplesmente tentar fundir simbioticamente a minha experiência pessoal com as de outros?

As palavras, meus caros, as palavras. Primeiramente, vamos começar pelas coisas primeiras, como é de praxe. Então, agora eu quero que você faça uma experiência, não vai precisar de ferramentas senão a ociosa massa cinzenta da qual você dispõe. Se feito com sucesso, o leitor também vai perceber que tal processo não se assemelha à nada do que comumente se encontra naquelas correntes que nos mandam por e-mail.

Eu decidi denominar a coisa toda de Fluxo Introspectivo de Consciência ou a Ressaca das Coisas Várias. Bom, de antemão aconselho a não se alarmar com os títulos, pois é certo que há uma possibilidade grotesca de ser puro pedantismo de minha parte, tal como foi o Armorial para Suassuna.

A coisa funciona mais ou menos assim:
Desapegue-se de toda e qualquer coisa que fracione sua atenção no momento. Apague as luzes, desligue seu celular, não ponha os pés na poltrona da frente, e comunique aos seus familiares que você vai elaborar um tratado sobre a teoria dos signos de Saussure, abordando os principais aspectos dos conceitos de sincronismo e diacronismo presentes no estudo na lingüística textual do séc XX. Fico com a impressão de que eles não vão incomodar-te durante tal empresa, possivelmente por consideração à sua pessoa.

Feito isso, agora eu quero que você apanhe algumas fotos aleatoriamente, ou se tiver uma memória fotográfica de no mínimo 3.0 megapixels, descarte as fotos e utilize-se como plataforma. Esse processo deve ser iniciado tomando por base uma imagem humana, em suas nuances diversas, para só então desbocar no conceito máximo do FIC, que são a primeira e última concepções que se pode ter de toda e qualquer coisa, algo que cheira à dimensão das idéias de Platão.

Pense bem numa forma humana, numa pessoa próxima a você. Obtido seu semblante, olhe-a em suas mínimas características e gestos, a forma como pisca, a forma como morde os lábios. Observe como os cabelos se comportam ao vento, se os dentes são amarelados, os tiques dessa pessoa. Vá aprofundando a camada de análise, relacionando essa pessoa à momentos particulares de sua vida. Coisas que fizeram juntos, coisas que pensaram em fazer juntos, coisas que fizeram conjuntamente com outros. Situe essa pessoa num tempo-espaço, e observe como ela se comporta nos seus respectivos contextos.

Depois de feita tal observação inicial, a minha expectativa é a de que você está adentrando no pântano, não precisa ser necessariamente um pântano, pode ser uma coisa mais alegre como um roça, repleta de ovelhinhas e rouxinóis, das imagens primeiras, as substanciais.Você vai começar a conceber aquele ser humano como uma espécie que age e fala, movimentando-se aqui e acolá, gesticulando incessantemente, antes em busca de compreensão do que comunicação. É o afã de ser compreendido.

O conceito aplicado do FIC, é o de que você se descubra por resgatar aquela imagem primeira da pessoa que está sendo olhada, a imagem primordial que todo ser humano contém. Feito isso de maneira correta, a contemplação deve durar poucos segundos, é dificílimo reter essas tais imagens, no meu entender. Vai ficar clara toda a teia de relações às quais essa pessoa está ligada, e o entendimento das motivações dela ficará um pouco mais visível e acessível de ser compreendido.

Bom, prosseguindo e voltando ao ego, eu quero deixar posto de antemão que o que há de individual em mim, é o que transfigura-se em mais coletivo quando escrevo. Esse eco do meu ego funciona como um prolongamento das intenções originais, as quais foram entortadas para configurar em letras, e por conseqüência, palavras. Eu acredito que cada palavra tenha um som próprio, entretanto inaudível. É como se um texto fosse escrito sem que houvesse ninguém para lê-lo, ou como escrito numa língua de um falante único. Mas esse texto além de permanecer em estado latente de significação, teria também um co-texto inato, que se fizesse por ele mesmo, que se ouvisse e soasse por ele mesmo.

Quando o texto toma consciência de si mesmo? É aqui que eu queria chegar. Aquela brincadeira toda do Fluxo(FIC) foi para trazer você a este plano, em que todas as coisas se relacionam e se movimentam constantemente..

Nesse reino subterrâneo, eu farejei algo que me continha. Continha-me de tal forma que eu não pude desviar de sua atenção, por medo das conseqüências e penas que poderiam recair sobre mim.

Eu adotei aquele olhar das coisas primeira e última para com as palavras, mais tarde, com a poesia. Compreendi cada não-dito e dos ditos revi os sons inaudíveis das palavras, percebi como cada imagem se derretia e misturava-se com as outras, como em uma pintura impressionista.

De cada instante depreendido no olhar das palavras, visualizei o ponto nevrálgico de cada uma delas, entendendo que meu fazer poético já estava pré-concebido desde a infância, quando eu podia olhar as coisas em sua essência, como elas eram de fato. Esse ‘olhar’ não deve ser minimizado à um olhar sensorial, é antes um olhar com o corpo todo e com o que dele se projeta na realidade.

Então tudo fez sentido.
A quintessência de minha busca reside na percepção do mundo tal como ele é, e quando eu obtiver êxito em fazer a perfeita tradução, da perfeita idéia, eu serei capaz de deixar tudo pra trás, me mudar para um interior frio e viver o resto da minha vida manejando a poesia humana.Sendo imperfeito e satisfeito, como todo ser humano em sua essência é.

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Déjà vu





Pois então, só te quero ver em outra vida portanto,
Quandos nós formos gatos.


A vagar errantes sobre tetos, e tetos
Das vidas e vidas de tantos ninguéns
Contemplados voyeuristicamente pela lua, mãe dos ausentes
Que nos explodirá as retinas, translúcidas, felinas


De tantos quereres baldios, terreno sempre à deriva
De tantos sabores gratuitos, céu de Dali a pairar
Da matéria do sonho, a poesia gatuna surgirá, gatuna sim
E larápia, fazendo de cada galho um abrigo, mais que poético,
Apoteótico de amor.

Quando nós dois formos gatos, sim. Fugiremos de todos e de tudo.
Renasceremos à cada instante, sedentos pela morte e vida
Como errantes certos, exilados no país do tempo.


A hora já acordada, correndo alucinada em nosso encalço
Nos fará lembrar dos fartos pomares de poemas à espera,
mas responderás: se o tempo é relativo, o amanhã também o é.

Então o que dizer das palavras? E eu te abraçarei um abraço de gato,
suando o suor que dos gatos não sua e
amando um amor que dos gatos não emana.


É uma paisagem em sépia, a mente em teu espectro
Um blues sem notas, nem catarse.
Retenho o choro, tal qual o gozo
Para, em claro enigma,
Revolver a exatidão dos pesares.


E mais do que nunca a poesia que aprisiona
nessa redoma de máscaras
é a mesma do tom confessional, da qual não tiro sequer uma migalha de drama
para ceifar o meu desejo ímpeto e sôfrego de busca
por um par, ímparmente poético.